Finalmente tinha chegado o dia que tantas e tantas vezes tinha sonhado. O meu amor tinha voltado da sua viagem e eu esperava por este momento ansiosamente. Como não queria por um minuto que fosse chegar atrasado, fui para o aeroporto à hora de saída do avião dela, mas como não gosto de aeroportos andei à volta da 2º circular durante 16 horas onde fiz vários amigos.
Tinha ensaiado o discurso vezes sem conta. Comprei flores e roubei todas as amostras de cremes e perfumes das revistas femininas para que tudo fosse perfeito. Claro que nestas alturas por mais que se ensaie o discurso quando chegasse a altura tinha a certeza que me iria esquecer de tudo e que apenas seria levado pelas palavras do coração.
Quando esperava pelo desembarque vi pela primeira vez um dos amigos dela a sair e o meu coração bateu mais forte que nunca, ela estava quase a sair, depois veio outro dos amigos e cada vez sentia que estava mais perto de a ver.... depois saiu mais outro... e mais outro... e ainda outro... e outro... mais outro... e por fim veio ela. Estava radiosa vestida numa túnica laranja. Estava com um ar de grande paz interior, olhei-a... sorrimos e corremos para os braços um do outro. Foi um daqueles momentos em que o nosso coração fica encolhido como uma uva que passou a passa.
- Amor, voltaste... que saudades que tinha tuas.
- Eu também, que bom voltar a ver-te.
- Sentiste saudades minhas.
- Muitas.
- Muitas, muitas ou muitas muitas, muitas?!
- Muitas, muitas, muitas.
- Muitas, quanto?
- Bastantes.
- De 0 a 100?
- 1000.
- Então foram mesmo muitas!
- Muitas.
- Muitas, muitas??!
- Ok, chega estive a meditar e a tomar consciência do meu interior, mas a paciência tem limites.
- É que estive a pensar e tenho uma coisa muito importante para te dizer.
- Eu também.
- Primeiro eu. Lembras-te quando eu te falava das minhas inseguranças. E sabes que não tem nada a ver com o ter posto rodas de bicicleta no carro por não ter dinheiro para os pneus?!
- Sim.
- Passou-me completamente, estou disposto a dar um novo rumo à minha vida e quero casar-me contigo. Amo-te muito e acho que fomos feitos um para o outro apesar de seres significativamente mais alta que eu e os meus ovos estrelados saírem sempre sem gema.
- Era sobre isso que também te queria falar.
- Quer dizer que também estás disposta a casar comigo?
- Não sabes aaaaa apaixonei-me por um chinês é uma excelente pessoa, está lá em situação de ajuda humanitária e assim que o vi soube logo que era o homem da minha vida e apesar de termos dificuldades em comunicar por mímica por ele ter perdido os dedos a escrever à máquina entendemo-nos maravilhosamente.
- Diz-me uma coisa, aquele avião está a levantar voo?
- Não.
- Ah bom! Então sou eu que estou a desmaiar.
- Não fiques assim.
- Não fico assim? E onde queres que fique?
- Podes ficar aqui, ou vir comigo, mas aviso já que não alinho nessas coisas a três. Eu vou voltar para o Nepal, aquilo é muito bom, tudo muito rudimentar e genuíno, fora deste ritmo infernal de Lisboa e além disso adoraram o meu arroz salteado com pevides.
- Tens a certeza que não estiveste a subir o Everest e estás com o cérebro pouco oxigenado?
- Não, agora tenho a certeza que é isto que quero fazer o resto da vida, tem tanta gente para ajudar andar de Iaque, subir pelas montanhas cobertas de neve ir ao lindo reino de Shangri-La onde se pode meditar dias sem parar.
- Isso a mim parece-me meio aborrecido.
- Não é meu querido, descobri finalmente a minha essência, o objectivo último da minha vida, enfim acho que respondi ao chamamento de Deus e acho que é por isso que Ele me pôs no mundo.
- Já que respondeste ao chamamento Dele, da próxima vez que estiveres com ele podes-lhe perguntar o que ando eu aqui a fazer, para onde vou, o que me espera e já agora como é que se batem claras em castela?
- Não fiques assim. Fica feliz por mim por me ter descoberto e fazer aquilo com que sempre sonhei.
- Suponho que sim mas só se os parvos dos teus amigos pararem de rir entre-dentes.
- Lá estás tu a implicar com eles.
- Quer dizer que o teu novo namorado chinês não implica. Deve se porque não os conhece. Quando isso acontecer vai corrê-los a pontapé.
- Não pode, perdeu os pés quando por engano confundiu o triturador de lixo com um massajador.
- Que dizer que entre nós não há mais nada a fazer ou conversar, está na hora de acabar, adeus tristeza até depois, chamo-te triste por sentir que entre os dois
- Querido, estás a cantar o Fernando Tordo e as pessoas começam a atirar moedas.
- Desculpa, entusiasmei-me.
- Bem está na hora de ir embora, vim buscar a pasta de dentes pois não imaginas a dificuldade que é em encontrar lá aquela que gosto. Amanhã vamos todos outra vez, espero que não fiques triste e depois eu mando-te um postal.
- Obrigado, vou adorar, adeus. Agora que já não namoramos posso bater nos teus amigos e metê-los numa mala de mão?
- Claro que podes, dá-me a beijoca dos 3 segundos.
- Está bem, adeus.
- Adeus Amor.
A minha querida namorada foi passar férias com os amigos para o Nepal em busca de um refúgio espiritual, o que para mim é uma absoluta perca de tempo, não que não ache que as pessoas precisem mais do que as coisas terrenas e tenham necessidades mais profundas, mas acho que as pessoas só deviam partir para esse patamar quando conseguissem abrir à primeira uma garrafa de Coca-Cola ou partir uma noz com os dentes.
Levado pelo interesse da minha namorada pela espiritualidade também eu aproveitei para começar a praticar Yoga e fazer uns exercícios de relaxamento respiratórios. Ao princípio custou-me um pouco já que em vez de relaxar começava a hiper-ventilar e desmaiava de 5 em 5 minutos. Depois tentei as asanas e demorei dois dias a voltar a uma posição vertical o que foi muito mau já que ia ao banco pedir um empréstimo para comprar umas peúgas em 2ª mão com as pernas enroladas nas orelhas, o que acho que não causou muito boa impressão. Por fim tentei a meditação profunda, que exige um elevado grau de concentração e contemplação. Realmente estava quase a conseguir me abstrair de tudo e elevar o meu espírito, mas só me vinha ao pensamento imagens das jogadoras de volley-ball de praia e de puré de batata com filetes de peixe.
Tenho aproveitado o meu tempo a ver os Jogos Olímpicos e sinceramente tenho-me apaixonado por algumas modalidades de grande interesse e que além de terem uma beleza estética extraordinária são bastante úteis. Por isso tenho acompanhado com especial atenção o halterofilismo feminino. Poderão até dizer que não são as mulheres mais bonitas do mundo (é tudo uma questão de opinião), mas devem ser extremamente úteis para quem anda sempre com a casa às costas.
Imbuído pelo espírito olímpico também eu comecei a fazer desporto. Como sempre me disseram que a natação é o desporto mais completo comecei por aí. Achei só um pouco parvo depois de ter posto aquela toca ridícula me dizerem que era preciso saber nadar pois, devia ter calculado. Puseram-me no tanque de aprendizagem onde a água me dava pelo joelho com as crianças dos 3 aos 6 anos e tenho de dizer que me saí muito bem. Ganhei todas as corridas, apesar de algumas daquelas tristes crianças se queixarem que eu nadava com as mãos no chão e que lhes puxava as pernas quando me ultrapassavam as crianças de hoje começam logo por ser umas queixinhas logo de tão novas invejosas. As minhas experiências atléticas ficaram por aqui apesar de ainda ter ido tentar bater o meu recorde de cambalhotas consecutivas na pista de atletismo da qual fui expulso de forma muito pouco cordial.
No fundo tudo tenho feito para me manter ocupado e não sentir saudades da minha namorada. Estou desejando que venha o mais depressa possível pois pretendo pedi-la em casamento. Pois acredito que já amadureci o suficiente e já estou pronto para assumir um compromisso desta grandeza, sendo assim, quando chegar vai ser a primeira coisa que vou fazer a seguir a lavar a roupa interior com sabão azul e branco.
Já me estou a ver todo luzidio à espera dela no altar e trocar-mos juras de amor eterno vai ser lindo.
Acho que levei longe demais esta minha ideia de passar mais tempo com a minha nova namorada. Ficou tão impressionada que eu quisesse passar mais tempo com ela que achou que estava na altura de conhecer os pais, por isso convidou-me para ir a casa deles na Herdade da Aroeira e almoçar no restaurante.
Eu por mim, tudo bem, sempre é uma refeição de borla pois não tenho dinheiro para estas andanças e se tiver de pagar tenho um método verdadeiramente infalível para escapar. Vou à casa de banho e meto-me na sanita e puxo o autoclismo e só me ponho em pé quando chego à ETAR, este método é particularmente perigoso se não tivermos lavado convenientemente os dentes.
Cheguei ao Club house e reconheci logo a mãe dela, não que tenha um sentido muito apurado para estas coisas, mas já tinha visto fotos.
- Boa Tarde mãe. Trago-lhe aqui umas flores de plástico, pois a sua filha disse-me que a sua mãe tinha falecido há pouco tempo e assim escusa de perder tempo indo ao cemitério tantas vezes.
- obrigado, és muito gentil. Eles ainda demoram um bocadinho, queres uma entrada de Queijo de Cabra com Courgette, Vinagrete e Tomate está uma delícia.
- Bom eu prefiro mesmo azeitonas pretas e pickles mas é só isso que têm pode ser.
- Já te disseram que tens uns lindos olhos
- A sério??!
- Nunca te disseram?
- Já, mas nessa altura queriam dinheiro emprestado.
- Agora percebo porque a minha filha namora contigo, és um belo rapaz. Posso apalpar-te os músculos?
- Claro, mas tenho de lhe dizer que consigo apagar uma vela abanando apenas as orelhas.
- Impressionante tens umas coxas rijas aposto que fazes exercício.
- Todas as vésperas de Natal corro pelo menos 100 metros.
- Anda mais para ao pé de mim, quero dizer-te um segredo.
- Se calhar é melhor não, não sou muito bom a guardar segredos, a última pessoa que me contou um segredo nesta altura cumpre 16 anos de prisão.
- Pareces tão tenso, anda cá que te dou uma massagem nos ombros para relaxares.
- Não me parece boa ideia, fizeram-me isso uma vez que relaxei tanto que só acordei 3 meses depois perdendo o mundial de patinagem artística por acaso o seu marido não estará a chegar?
- Não te preocupes com isso, foi jogar golfe, e desde que teve um acidente sentando-se em cima do taco nº3 joga sempre a bola a pontapé.
- Pois isto aqui é muito bonito, tudo verde, só se ouvem os passarinhos a cantar, é muito agradável.
- Sabes que existem aqui 13 lagos e já nadei nua em todos eles.
- Deve ter sido um dia extenuante
- Tens de um dia vir experimentar comigo.
- Diga-me isto é uma brincadeira e daqui a bocado vão todos aparecer e vamos rir juntos, não é? Porque se assim não for vou chorar.
- Bebe um pouco de vinho, respira fundo e descontrai-te.
- Só se me der à boca não vê como estou a tremer? Ainda enfio o copo pelo nariz. Não será melhor eu ir procurar a sua filha? Com 18 buracos neste campo se calhar já caiu num e não se consegue levantar
- Tão querido posso-te mordiscar as orelhas?
- Credo está bem, mas só um bocadinho
-
- Isso é bom.
- E sei fazer muitas outras coisas.
- Sabe fazer um nó de gravata sem revirar os olhos?
- Não, mas sei fazer o Mosteiro dos Jerónimos em barro moldando-o apenas com os pés enquanto como acepipes.
- Pois...
Depois de muita reflexão e de muitos pensamentos que me povoaram os cinco minutos em que consigo pensar na mesma coisa, concluí que não queria mais namorar com a minha nova namorada. Não por que não goste dela, porque gosto, mas há determinadas coisas que um homem tem direito a exigir da pessoa que gosta. Que passe tempo com ele, que não traga sempre os amigos atrás, e que lhe ofereça umas pantufas em forma de urso. Ora nenhuma destas condições a minha nova namorada preencheu.
Eu sei que ela é uma pessoa muito ocupada, que se preocupa com os amigos e com as pessoas carenciadas e que gosta de fazer tricot enquanto anda de bicicleta mas e eu? Onde fico nesta história? Serei eu apenas alguém que ela precisa para uns momentos de prazer? (antes fosse, mas nem essa sorte tenho).
A parte mais complicada é arranjar uma maneira de lhe dizer que tudo entre nós está terminado. Nunca tive essa experiência pois normalmente são sempre elas que me mandam procurar os confins do mundo e tentar lá permanecer. Mas sendo a minha primeira vez estava bastante entusiasmado com a coisa. Telefonei-lhe e pedi-lhe para vir ter comigo ao restaurante. Escolhi um caro pois estas situações não acontecem todos os dias e são sempre momentos especiais que nos devemos esmerar ao máximo.
- Olá querida ainda bem que vieste mas acho que tinha deixado bem claro que esta era uma noite para nós e que não trouxesses os teus amigos. Principalmente aquele gordo da camisola aos quadrados que tem a mania de me roubar a salada para pôr nas orelhas.
- Deixa-os estar, eles ficam noutra mesa e não incomodam.
- Ficas a saber se eles abrirem a boca mando-lhes com trufas.
- Mas que acontecimento especial é este? Viemos a este restaurante, estás todo bonito, que se passa?
- Nada de especial mas diz-me o que pensas da nossa relação?
- Acho que é uma relação baseada no respeito mútuo, em muito amor e amizade e que apesar das nossas diferenças tenho a certeza que é contigo que me quero casar, ter filhos e jogar Playstation.
Enquanto tentava digerir estas tão doces palavras veio o gordo da camisola aos quadrados que aproveitando o meu momento de distracção roubou-me a salada que tanto trabalho me tinha dado a temperar.
- Estás ver? Nunca temos tempo só para nós, para estarmos os dois juntos.
- Mas nós agora estamos sós
- Sim, mas os teus amigos estão na outra mesa a trocar segredinhos, a soltar risotas e a olhar para mim.
- Deve ser por teres um camarão no nariz.
- A verdade é que não gosto deles, quer dizer até gosto, mas começo a ter pesadelos frequentes com eles ontem sonhei que dois deles me tinham vendido em leasing.
- Mas tens de compreender são meus amigos, e enquanto os namorados vão e vêm os amigos ficam para sempre.
- Pois já reparei, mas esses ficam literalmente para sempre, parecem doenças venéreas
- Mas são meus amigos e gosto deles, se os conheceres melhor vais ver que vais gostar tanto deles como eu. O que seria da minha vida sem os meus amigos. São aquelas pessoas com quem sempre podemos contar.
- Pois, eu só daqui conto oito, fora aqueles dois que mergulharam no tanque das lagostas.
- No fundo estás a querer dizer que não estás satisfeito com a nossa relação, é isso?
- Qual relação? Trabalhas o dia todo, à noite e fins-de-semana andas com esses marmelos de um lado para o outro a fazer caridade, nunca tens um tempinho só para nós os dois e sinto-me carente, triste e desamparado.
- Tinha a ideia que gostavas de andar connosco, tu mesmo disseste que estavas a adorar fazer pessoas felizes e mesmo quando aquele toxicodependente te vomitou em cima tu sorriste para mim.
- Pois acho que não percebeste a ironia do sorriso
- Vamos ultrapassar isso, eu prometo que vamos passar mais tempo juntos e tenta ignorar os meus amigos.
- Como é que eu os posso ignorar quando me estão a roubar o ensopado de enguias e a deitá-las ao rio
- Tu sabes como eles são defensores dos animais, estão apenas a mandá-las para o seu habitat natural.
- Estás a ver estás sempre a defende-los!
- Desculpa e então como ficamos? Ainda somos namorados?
Suspirei fundo e todo o meu corpinho tremeu perante aqueles olhinhos de cachorro abandonado. No fundo, sou mesmo um ser sensível e gosto mesmo dela. Que se pode fazer quando o amor nos transforma em alforrecas
- Claro que sim deixa-me beijar-te.
- Claro que sim meu amor tens 1 minuto.
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